Vida (digital) após a morte

Em setembro de 2012, foi divulgada a notícia de que o ator Bruce Willis estava processando a Apple, mais especificamente o iTunes. O motivo? Willis gostaria de deixar seu enorme acervo de músicas digitais para suas filhas e, na impossibilidade dessa manobra, resolveu processar a gigante do setor para assegurar esse direito após a sua morte.

No mesmo dia, Willis desmentiu a notícia. Mas ficou a pergunta: o que acontece com nossos bens digitais quando morremos?

Vamos por partes.

Quando você compra algo
 

Hoje, todos os livros, filmes e discos que você compra no mundo físico, são seus. São cópias autorizadas de obras disponibilizadas para venda e, consequentemente, se você as adquire, você passa a ser proprietário dessas cópias. Obviamente que, no âmbito de pessoa física, você pode fazer o que quiser com elas: vender, doar, trocar e deixar para alguém quando partir desse mundo.

No plano digital, a coisa é bastante diferente. Quando você adquire um disco ou filme no iTunes ou um livro no Kindle, pra começar, não está adquirindo uma cópia física, e sim digital. Até aí, morreu Neves. Mas na verdade, você está adquirindo esses materiais por meio de uma conta de uso exclusiva e não-transferível. Ou seja, você está autorizado a ouvir o disco, ver o filme e ler o livro, tudo mediante seu login e senha, que comprovam que a transação financeira para isso foi efetivada e que, portanto, você está habilitado a usufruir desse conteúdo. Essas informações estão presentes nos termos de acordo de venda desses produtos – aquele documento que você não lê e passa a barra de rolagem até o final dele para clicar em “Aceito”. No caso do iTunes, por exemplo, há uma disposição que permite que você tenha acesso ao conteúdo em até cinco dispositivos distintos: notebook, tablet, celular, mp3 player e desktop.

Resumindo: suas contas pessoais não podem ser transferidas para ninguém. Mas e o conteúdo? Pode ser transferido?

Não sei. O caso é que, pelo menos nos Estados Unidos, informações relacionadas a este tipo de transação podem ajudar o indivíduo a entender melhor e iniciar (ou não) uma batalha judicial sobre o espólio digital de alguém. São elas: Lei do Copyright; Termos e Uso do serviço em questão e Digital Rights Management (DRM). Para se aprofundar no tema, confira o blog do advogado norte-americano Jimm Lann. Recomendo a leitura de todos os posts.

Como no Brasil as leis são diferentes, não encontrei nada sólido a respeito do tema. Então fica como exercício acompanhar as querelas que estão acontecendo em outros países e contribuir para a discussão sobre o assunto.
Bruce Willis X iTunes: desmentir a notícia não invalida um possível acordo entre as partes.

Bruce Willis X iTunes: desmentir a notícia não invalida um possível acordo entre as partes.


Quando você usa algo gratuito

Você já deve ter tido uma pessoa próxima a você que faleceu e tinha perfis em redes sociais. Talvez o perfil esteja ativo até hoje, justamente porque os familiares e amigos não sabem que existem maneiras para lidar com isso. Mas as plataformas já contam com medidas a respeito do tema.

Facebook

No Facebook, os familiares ou o representante legal da pessoa falecida tem duas opções: ou remove o perfil da rede ou pode transformar esse perfil em um memorial. Neste último caso, a conta fica desprovida de login e não pode aceitar amigos. Mas todas as postagens e fotos publicadas continuam disponíveis para compartilhamentos. O perfil pode receber mensagens privadas (?), mas não aparece listado nos resultados de busca. Tudo isso pode ser feito utilizando um formulário simples: este aqui.


Twitter
O Twitter também possui uma cláusula de remoção de conta no caso da morte do usuário mas, ao contrário do Facebook, o processo é mais complicado: em primeiro lugar, você precisa enviar uma lista enorme de documentos físicos para o endereço da empresa nos Estados Unidos. Além disso, pra complicar um pouco mais, você tem que possuir evidências de que a conta que deseja desativar é mesmo da pessoa falecida caso o nome de usuário no Twitter e o nome na certidão de óbito não sejam os mesmos.

LinkedIn
O LinkedIn pensou na questão e disponibilizou um formulário para ser preenchido para iniciar o processo de remoção de uma conta de um usuário falecido. Não é possível saber os detalhes que precisam ser informados porque a tela inicial pede apenas seu login e senha, o que me impossibilitou de ir adiante para ver o que realmente acontece.

Google

O Google lançou no mês de abril a solução, creio, mais inteligente: o Inactive Account Manager. O nome, eles mesmo admitem, não é tão objetivo, mas o serviço parece que sim. O próprio usuário pode determinar o que deve ser feito com suas contas no G+, Blogger, Drive, Gmail, YouTube, Picasa, enfim, todos os serviços da empresa após um tempo de inatividade – escolhido por você! As modificações podem ser feitas na parte de configurações de sua conta.


Últimas palavras

Uma última alternativa é contratar um serviço que fica totalmente responsável pela administração das suas contas, podendo, inclusive, mandar um último email, tweet ou atualização do Facebook no caso da morte do usuário. A empresa que faz essa gestão é a Perpetu que, tudo indica, é inglesa.

É difícil digerir esse post inteiro, do começo ao fim. Primeiro, porque é complicado ficarmos pensando em nossa própria morte, independente da idade. No entanto, vale a reflexão: se viver em um mundo pós-digital pressupõe possuir bens virtuais, qual é o melhor destino para eles? O destino que você quer dar a esse material ou aquele que a empresa que os vendeu para você deseja? Ao meu ver, mais do que nunca, nada é realmente nosso. Apenas o que soa genuíno é a ilusão de possuir alguma coisa.